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A casca da morte: a respeito da hipocrisia

Nada pode ser mais irritante do que lidar com alguém que finge ser algo que não é.


Há algum tempo atrás estava eu admirando as obras de arte que são os ovos decorados dos Bálcãs, como se vê na foto. A mais bela forma de alegrar a Páscoa e para deixar seus convidados mais felizes. Às vezes, os ovos coloridos são realmente arte. No entanto, se os ovos coloridos forem deixados em repouso por muito tempo, eles apodrecem por dentro e exalam um odor insuportável, ou no final secam completamente. É quando a casca colorida contém em si a morte.


Tal reflexão me fez lembrar de algo mais terrível ainda: a narrativa de Jesus a respeito dos hipócritas que são como "túmulos caiados, que de fato parecem lindos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de homens mortos e toda sujeira" (Mateus 23,27).


Etimologicamente, hipócrita é definido como uma pessoa que finge ter um caráter virtuoso, crenças ou princípios morais ou religiosos, etc., que realmente não possui. Vem do grego e significa "ator de teatro, dissimulador". Ou ainda, segundo nosso dicionário da bela Língua Portuguesa: "que ou aquele que demonstra uma coisa, quando sente ou pensa outra, que dissimula sua verdadeira personalidade e afeta, quase sempre por motivos interesseiros ou por medo de assumir sua verdadeira natureza, qualidades ou sentimentos que não possui; fingido, falso, simulado".


No texto de Mateus 23, nos versículos 13 a 28, Jesus diz-lhes sete vezes: "Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas!" Mas, quem eram esses?! Os fariseus eram uma seita judaica que floresceu durante o século I a.C. e século I d.C. Eles se diferenciavam dos saduceus principalmente em sua estrita observância às cerimônias e práticas religiosas (aos ritos), adesão às leis e tradições orais e crença na vida após a morte e na vinda de um Messias. Os escribas eram um grupo de estudiosos palestinos e professores da lei e tradição judaica, ativos do século 5 a.C. ao século I d.C., que transcreveram, editaram e interpretaram a Bíblia. Em essência, os fariseus e escribas eram os líderes religiosos do judaísmo durante a época de Jesus, que conheciam e ensinavam as escrituras da Lei e dos Profetas.


No entanto, o problema era que aparentemente eles não estavam praticando o que sabiam e ensinavam. Em duas situações diferentes Jesus os chama de "guias cegos" (vv.16,24) porque, entre outras coisas, eles fingiram ser santos ao fazer "longas orações" (v.14), mas ao mesmo tempo diminuíam a santidade do templo, enfatizando sua beleza externa (vv.16-22). Jesus disse que os fariseus e os escribas negligenciavam a justiça, a misericórdia e a fé enquanto enfatizavam o dízimo (v.23). Ele até disse que eles estavam cheios de extorsão e autoindulgência (v.25) e conclui dizendo que eles, "parecem justos aos homens, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e ilegalidade" (v.28).


Então, como viver os ensinamentos de Cristo diante de situações tão desafiadoras como a hipocrisia, a falsidade, o moralismo, a vida dupla, a mentira...?


Analisemos outro relato do Senhor Jesus revelado no Monte (Mateus 5) que talvez nos sirva de pista:

  • misericórdia, oração, confiança e fé em Deus, não se preocupando com o amanhã, buscando antes de mais nada o Reino de Deus, tendo fé que você receberá de Deus aquilo que Lhe pedir, que encontrará o que busca, que as portas se abrirão;

  • não julgar com um juízo severo, e não medir com uma medida falsa, de modo que não seja devolvido a você da mesma forma;

  • não procurar o cisco no olho do seu irmão, enquanto hipocritamente esconde a trave no seu próprio olho;

  • fazer a seu próximo tudo o que você gostaria que ele fizesse a você;

  • não ter medo do caminho estreito, mas puro e santo, que conduz à vida, mas fugir do caminho suave e amplo que conduz à morte;

  • não se orgulhar de seus grandes feitos, mas fazer tudo, "segundo a vontade de meu Pai que está nos céus";

  • cumprir de fato todas as palavras de Cristo e, dessa forma, construir uma casa para a eternidade como um homem sábio, que constrói sua casa não sobre areia, mas sobre rocha, para que nem as águas das enchentes, nem os ventos, nem as tempestades possam derrubá-la (Mateus 6,7).

Os fariseus, escribas e hipócritas, fazem tudo ao contrário destas Palavras. Quando dão esmola, o fazem nos locais de encontro e nas ruas, e não o fazem para a glória de Deus, nem para ajudar os pobres, mas apenas para serem vistos pelos homens. Quando eles oram a Deus, eles oram nas ruas, novamente, apenas para serem vistos pelos homens.

Quando jejuam, eles fazem seus rostos parecerem tristes, desleixados e pálidos, novamente para que possam ser vistos pelos homens. Infelizmente, eles fazem tudo apenas para serem vistos pelos outros, como supostamente misericordiosos, devotos e grandes jejuadores.


Eles “se aproximaram de Mim com a boca e com os lábios Me honraram, mas o seu coração está longe de Mim” (Isaías 29,13). Toda a sua aparência externa, fixa, é apenas uma casca colorida da morte, uma tumba caiada, como o ovo do início. Gostam de dar lição de moral diante dos outros para serem aplaudidos, e dizer como os outros devem viver, mas na vida privada são os mais devassos, depravados, beberrões, fornicadores, mentirosos, idólatras... Para alguns, a fama os precede! E apesar de tentarem viver escondidos sob a aparência de piedade, humildade, elogios... a internet não perdoa: "nada há escondido que não venha a ser revelado, nem nada foi mantido em segredo, senão para que venha à luz" (Marcos 4,22).


Jesus sente compaixão por Seu povo, às lágrimas Ele sente compaixão por eles, a quem os doutores da lei e os governantes enganam, abusam e tiram vantagem sem misericórdia (Mateus 15,32). Em Seu sermão anterior, Cristo faz guerra abertamente contra a hipocrisia deles (Marcos 8,2).


Por que Jesus atacou de forma tão brusca e impiedosa especificamente a hipocrisia? É porque a hipocrisia é uma mentira satânica, hipocrisia satânica desde o início; essa é a erva daninha que Satanás semeou em todas as colheitas de Deus na terra: no coração do homem, em sua casa, em seu casamento, em sua companhia de amigos, em seu povo e nação, na política e no comércio, NA IGREJA, em todos os lugares, em todas as idades e civilizações.


Cristo nos convida à sermos transparentes, íntegros, e somente falar (discursar, pregar) aquilo que verdadeiramente praticamos, ou melhor, falar primeiro para nós mesmos, tirar a trave dos nossos olhos, para somente depois querer dizer como os outros devem viver... infelizmente não é isso o que ocorre. Queremos primeiro ditar as normas, apoiados na "Tradição, na Moral e nos Bons Costumes", as quais nem nós mesmos praticamos, ou praticamos aquilo que nos convém.


Tenhamos o Evangelho do Senhor como fundamento, as Palavras do Cristo como base e guia, pois todo o resto é duvidoso, é areia movediça. Nesse ponto, o padre Jean-Thyerry nos ajuda na reflexão: "Tradição significa obediência, ou seja, escuta respeitosa dos Anciãos (os Padres) e das grandes Igrejas de hoje. Então, humildade, é claro, mas também uma abertura ousada ao Espírito Santo. É em sua respiração que Tradição e evolução/renovação se unem. Mas esta é a chave para a vitalidade da Tradição e de seu caráter revigorante aqui e agora. Nós, Ortodoxos Ocidentais, testemunhamos em resumo a universalidade da Ortodoxia, não como um aparato eclesiástico autoritário (e intimamente ligado a grupos étnicos, ao nacionalismo), mas como a grande Tradição da Igreja indivisa (antes do cisma catastrófico), fermento de renovação para todos os cristãos. Igreja para o mundo e para todos, incluindo ocidentais. Poderíamos falar de Cristo, da Encarnação, da Cruz e da Ressurreição e, principalmente, da Trindade Divina, é muito mais interessante do que as questões do aparelho eclesiástico. É neste sentido que o encorajo a nos frequentar para formar uma opinião pessoal".


Que o Senhor nos ilumine para praticarmos verdadeiramente o que cremos e professamos. Que sejamos capazes de refletir sobre nossos pensamentos e ações, antes de apontar os erros ou mazelas do outro. Que tenhamos o Evangelho como espelho, o Amor e a Misericórdia como guias.


Fontes:

P. Jean-Thierry. Réponse à ceux qui s'interrogent sur la réalité de l'expression d'une foi orthodoxe occidentale. http://www.eglise-orthodoxe.eu/texte_orthodoxie_occidentale_orientale.htm

Velimirovich, Bispo Nikolai. The Shell of Death: Concerning Hypocrisy. Complete Works of Bishop Nikolai [in Serbian], Book 12, p. 825. https://web.archive.org/web/20101230020735/http://www.svetosavlje.org/biblioteka/vlNikolaj/Vladika_Nikolaj.htm


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